ricardo alves

Desse pálido ponto
por Thais Rivitti


*Curadora da exposição do artista na Galeria Sancovksy em São Paulo/SP, em outubro de 2016.


Há exatos 19 anos, em 15 de outubro de 1997, a nave Cassini era lançada ao espaço, com o objetivo de coletar informações sobre Saturno, seus satélites e anéis. A viagem levou quase 7 anos quando, finalmente, ela entrou na órbita do planeta a que se destinava. Cassini é, também, a pintura que abre a exposição de Ricardo Alves, Desse pálido ponto, uma alusão ao livro do astrofísico Carl Sagan que refere-se à Terra – tendo como base uma imagem feita nas proximidades de Saturno – como um pálido ponto azul. A tela, de grandes dimensões, traz uma imagem frontal da espaçonave flutuando e indica que estamos prestes a realizar uma longa viagem.

Distância, aliás, é um dos conceitos que será problematizado nesse novo conjunto de obras. A grande variação de tamanhos das telas expostas – a maior delas mede 2,70 x 1,90 m e as menores 30 x 40 cm – deixa evidente a impossibilidade de colocar as coisas em escala. Embora pertençam a um mesmo conjunto temático – a exploração do espaço – não existe um ponto fixo comum às imagens que servem de referência para as pinturas. Há imagens feitas da Terra. Outras, embora feitas a partir da Terra, só se constituem com a ajuda de aparatos como o telescópio. E, ainda, há aquelas que foram feitas do espaço.

No entanto, a distância que mais nos interessa comentar aqui, talvez, seja aquela que historicamente separa a pintura da fotografia. Duas linguagens artísticas distintas que, no entanto, estabelecem uma forte relação de reciprocidade. Tornou-se lugar comum, na História da Arte, dizer que a pintura veio antes, que ela teria sido a primeira a fazer imagens da “realidade” (e que, depois da fotografia, teve que inventar para si uma nova razão de existir). Os trabalhos de Ricardo Alves, contudo, invertem essa trajetória, fazendo o caminho contrário.

Suas pinturas têm como referente artefatos e paisagens raramente vistos pelo homem: a superfície de Marte, o espaço para além da órbita da Terra, espaçonaves em construção, bases de lançamento de foguetes, ou explosões de grandes dimensões. São essas as imagens pelas quais o artista se interessa e delas surgem uma série de tensões que animam suas pinturas. Ao mesmo tempo em que partem de um registro fotográfico e científico, supostamente preciso, lidam com uma precariedade constitutiva. Sobre essa precariedade bastaria mencionar que as fotos do espaço, em sua grande maioria, são em preto e branco e depois são coloridas artificialmente por uma equipe de especialistas.

Talvez seja essa grande margem de indefinição das imagens das quais o artista parte o motor mais potente de sua pintura. Nela convivem a ambição científica à precisão e a fantasia própria à imaginação. Nas telas maiores, observamos desenhos que se pretendem ilustrações esquemáticas convivendo com zonas de profunda indeterminação. Refiro-me aqui aos trechos em que a cor do fundo vaza à superfície, em que as marcas de pincel ficam visíveis, em que os acúmulos de camadas de tinta criam uma massa opaca na superfície pictórica ou que a tinta escorre, manchando a pintura e nos lembrando de sua condição artesanal. Nas telas menores, parece que estamos diante de esboços. Um desenho rápido, uma pintura feita às pressas, inacabada, como uma anotação que ainda precisaria ser retocada.

Nesse conjunto de obras que Ricardo Alves mostra, as pinturas vêm depois das fotografias. Mais um ato nessa dança entre as duas linguagens que constantemente alternam suas posições. O final da missão da sonda Cassini está previsto para 2017 quando ela deverá mergulhar na atmosfera de Saturno e ser destruída. Por muitos e muitos anos, as imagens produzidas por essa máquina serão a única realidade desse mundo distante. O que não impede que ele continue a ser inventado pela pintura e outras formas artísticas.